ISSN 1982-1026

Boletim de História
e Filosofia da Biologia

Publicado pela Associação Brasileira de Filosofia e História da Biologia (ABFHiB)

Tradução de fonte primária de história da biologia: a concepção de seleção natural sob a perspectiva de Darwin e Wallace em 1858

Viviane Arruda do Carmo
Pesquisadora do GHTB, USP
arrudacarmo@ig.com.br

Pedro de Lima Navarro
Doutorando do Programa de Pós-Graduação
em Biologia Comparada,
FFCLRP-USP
pedro.navarro97@hotmail.com

Lilian Al-Chueyr Pereira Martins
Departamento de Biologia,
FFCLRP-USP
lacpm@ffclrp.usp.br

Alguns historiadores da ciência consideram que Charles R.  Darwin (1809-1882) e Alfred Russel Wallace (1823-1913) chegaram independentemente à concepção de seleção natural (Mayr, 1982; Carmo, 2006). As concepções de Darwin e Wallace a esse respeito foram anunciadas brevemente na reunião que ocorreu em 01 de julho de 1858 na Linnean Society of London e depois foram publicadas no periódico desta instituição, o Journal of the Proceedings of the Linnean Society of London no mesmo ano, portanto antes da publicação do Origin of species (Darwin, 1859).

Darwin já vinha trabalhando há bastante tempo, desde 1837, em uma teoria sobre a transmutação das espécies registrando suas ideias em vários notebooks. Durante as duas décadas que se seguiram discutiu sobre a teoria que estava desenvolvendo com os colegas britânicos Charles Lyell (1797-1875) e Joseph Dalton Hooker (1817-1911), e mais tarde, com o norte-americano Asa Gray (1810-1888). Em 1858 Darwin recebeu a carta acompanhada do manuscrito de Wallace para sua apreciação. Nessa ocasião, em carta dirigida a Lyell, Darwin comentou: “Se Wallace dispusesse do esboço do manuscrito que escrevi em 1842, não poderia ter feito um resumo melhor! Até seus termos figuram agora como títulos de meus capítulos.” (Darwin, [1858], 2000, p. 274; Mayr, 1982, p. 494; Carmo, 2006, p. 21).[1] Nessa ocasião, Lyell, Hooker e Gray sugeriram que ambos apresentassem seus artigos em uma reunião da Linnean Society e os publicassem no periódico daquela instituição (Carmo, 2006, pp. 21-22). No ano seguinte, na Introdução da primeira edição do Origin of species. Darwin (1859), deu o devido crédito a Wallace mencionando que ele o teria levado a antecipar a publicação, que ainda levaria dois ou três anos para ser concluída. Darwin comentou que Wallace chegara “praticamente às mesmas conclusões sobre a origem das espécies que ele” (Darwin, [1859], 2004, p. 9).

A publicação original que contém os trabalhos de Darwin e Wallace é composta por uma carta introdutória de Lyell e Hooker (pp. 45-46) seguida de um extrato de um capítulo da obra que Darwin estava elaborando sobre a origem das espécies (pp. 46-50); trechos de uma carta de Darwin para Asa Gray (pp. 50-53) e finalmente o artigo de Wallace (pp. 53-62) [2]

Na tradução que se segue procuramos nos aproximar ao máximo dos originais de Darwin e Wallace, inclusive no que diz respeito à terminologia, tempos verbais e distribuição de parágrafos. Embora tenhamos consultado outras traduções que constam nas “Referências bibliográficas”, o leitor ao compará-las com a aqui apresentada poderá perceber algumas diferenças.

Para facilitar a leitura, as páginas da obra original aparecem entre colchetes ao longo do texto.

As notas que acompanham esta tradução são dos autores dos textos originais (Darwin e Wallace), notas explicativas dos tradutores tanto em relação ao conteúdo do texto e seu contexto como em relação a questões de tradução e têm sua procedência identificada.

 

TRADUÇÃO: DARWIN, Charles Robert; WALLACE, Alfred Russel. On the tendency of species to form varieties by means of Natural Selection and On the perpetuation of varieties and species by natural means of selection. Journal of the Proceedings of the Linnean Society of London, 3: 45-62, 1858.

[45] Sobre a tendência das espécies em formar variedades; e sobre a perpetuação das variedades e espécies por meios naturais de seleção. Por Charles Darwin, Esq., FRS, FLS., e FGS e Alfred Wallace, Esq. Comunicado por Sir Charles Lyell, FRS, FLS e J. D. Hooker, Esq., MD, VPRS, FLS, etc. [3]

 

[Lido em 01 de julho de 1858]

London, 30 de junho de 1858.

Meu caro Senhor,

Os artigos anexos, que temos a honra de comunicar à Linnean Society estão todos relacionados ao mesmo assunto, isto é, às Leis que afetam a produção das Variedades, Raças e Espécies, contêm os resultados das investigações de dois incansáveis naturalistas, o Sr. Charles Darwin e o Sr. Alfred Russel Wallace.

Estes cavalheiros, independentemente e sem saber um do outro, conceberam a mesma engenhosa teoria para explicar o aparecimento e perpetuação das variedades e das formas específicas em nosso planeta, podendo ambos reivindicar justamente o mérito de serem os pensadores originais desta importante linha de investigação. Sendo que nenhum deles publicou suas opiniões, embora o Sr. Darwin tenha sido nos últimos anos repetidamente instigado por nós a fazê-lo, e ambos tendo colocado seus artigos em nossas mãos abertamente, pensamos que seria melhor para o interesse da ciência selecioná-los para apresentação à Linnean Society.

Colocados na ordem de suas datas, eles consistem em:

  1. Extratos de um manuscrito sobre as Espécies [4] do Sr. Darwin, que foi esboçado em 1839 e copiado em 1844 [5], quando a cópia foi lida pelo Dr. Hooker, e seu conteúdo comunicado posteriormente ao Sr. Charles Lyell. A primeira Parte é dedicada à “Variação dos seres orgânicos sob domesticação e no seu estado natural” e o segundo capítulo dessa Parte, o qual nos propomos a ler os extratos perante a Society, é intitulado: “Sobre a Variação dos Seres Orgânicos em um estado Natural; sobre os Meios Naturais de Seleção; sobre a Comparação das Raças Domésticas e espécies verdadeiras”
  2. Um resumo de uma carta particular do Sr. Darwin endereçada ao Professor Asa Gray de Boston, EUA, em outubro [46] de 1857, na qual ele mantém sua posição, o que mostra que ela permaneceu inalterada de 1839 até 1857.
  3. Um Ensaio do Sr. Wallace, intitulado “Sobre a Tendência das Variedades de afastarem-se indefinidamente do Tipo Original”. Escrito em Ternate, em fevereiro de 1858, para o escrutínio de seu amigo e correspondente, o Sr. Darwin, e enviado a ele com o desejo expresso que fosse encaminhado ao Sir Charles Lyell caso o Sr. Darwin o considerasse suficientemente original e interessante. Tão alta foi a apreciação do Sr. Darwin pelas ideias apresentadas ali, que ele propôs, em uma carta endereçada ao Sir Charles Lyell, obter a permissão do Sr. Wallace para que seu Ensaio fosse publicado o quanto antes. Concordamos prontamente com esse ponto desde que o Sr. Darwin não omitisse do público, como estava fortemente inclinado a fazer (em favor do Sr. Wallace), o relato que ele próprio havia escrito sobre o assunto e que, conforme explicado anteriormente, um de nós havia revisado em 1844 e cujos conteúdos foram privados de ambos de nós por muitos anos. Em relação a isso, o senhor Darwin nos deu permissão para fazer o uso do que achássemos apropriado em seu relato e, ao resolvermos apresentá-lo à Linnean Society, explicamos que não estávamos considerando apenas as reinvindicações relativas à prioridade dele e de seu amigo, mas também o interesse da ciência em geral, pois acreditamos que é desejável que as opiniões fundamentadas em uma ampla dedução a partir de fatos e amadurecida após anos de reflexão deveriam constituir primeiramente uma meta a partir da qual outras possam se seguir, e que, enquanto o mundo científico está esperando pelo aparecimento da obra completa do Sr. Darwin, alguns dos principais resultados de seu trabalho, bem como os de seu hábil correspondente, deveriam ser apresentados conjuntamente ao público.

 

Temos a honra de sermos muitíssimos agradecidos,

Charles Lyell.
Jos. D. Hooker.

J. Bennet [6], Esq.,
Secretário da Linnean Society.

I. Extrato de um Trabalho sobre espécies não publicado, de Charles Darwin, Esq., consistindo em uma parte de um capítulo intitulado “Sobre a Variação dos Seres Orgânicos em um estado Natural; sobre os Meios Naturais de Seleção; e sobre a Comparação das Raças Domésticas e Espécies verdadeiras”

De Candolle, em uma passagem eloquente [7], declarou que toda natureza está em guerra, um organismo com outro ou com a natureza externa. [47] Vendo a plenitude da natureza, isso a princípio pode ser duvidado, mas algumas reflexões inevitavelmente provarão que é verdade. A guerra, no entanto, não é constante, mas recorrente em um grau leve em períodos curtos e mais severa em períodos ocasionais mais distantes de modo que seus efeitos são facilmente negligenciados. É a doutrina de Malthus [8] aplicada na maioria dos casos com dez vezes mais força. Como todos os climas são sazonais para cada um de seus habitantes, de maior ou menor abundância, todos se reproduzem anualmente e a restrição moral que, em algum grau, limita o aumento da humanidade é totalmente perdida. Mesmo se reproduzindo lentamente a humanidade dobrou em vinte e cinco anos, e se fosse possível aumentar seu alimento na maioria dos casos, ela dobraria em menos tempo. Mas para os animais sem meios artificiais, a quantidade de alimentos para cada espécie deve, na média, ser constante, enquanto o aumento de todos os organismos tende a ser geométrico, e na vasta maioria dos casos de acordo com uma enorme taxa. Suponha que em determinado ponto existam oito pares de aves, e que somente quatro pares procriem anualmente gerando apenas quatro filhotes (incluindo ninhadas duplas), e que estes, por sua vez, se reproduzam com a mesma taxa, então ao final de sete anos (uma vida curta, excluindo mortes violentas, para qualquer ave) haverá dois mil e quarenta e oito aves, ao invés dos dezesseis iniciais. Este aumento é totalmente impossível. Assim, devemos concluir que as aves não criam quase metade de seus jovens ou que a vida média de uma ave, devido aos acidentes, não chega aos sete anos. Ambas as limitações provavelmente coincidem. O mesmo tipo de cálculo aplicado a todas as plantas e animais proporciona resultados mais ou menos surpreendentes, mas em muitos poucos casos mais marcantes do que no homem.

Muitas ilustrações práticas desta rápida tendência para o aumento estão registradas em estações peculiares, entre as quais, podemos mencionar o extraordinário número de certos animais. Por exemplo, entre os anos de 1826 e 1828, quando a seca levou à morte alguns milhões de cabeças de gado em La Plata, toda a região ficou repleta de ratos. Penso que não é possível duvidar que durante a época de reprodução todos os ratos cruzam comumente (com exceção de alguns poucos machos e fêmeas), assim esse impressionante crescimento populacional em apenas três anos deve ser atribuído à sobrevivência ao primeiro ano de vida de um número maior que o normal de indivíduos, que então se reproduzem e assim por diante até o terceiro ano, quando seus números foram reduzidos ao normal devido ao retorno do tempo úmido. Nas regiões favoráveis em que o homem introduziu plantas e animais existem muitos relatos sobre como a região foi completamente povoada por eles surpreendentemente em poucos anos. Tal crescimento seria [48] invariavelmente interrompido quando a região fosse totalmente povoada. Mesmo assim, temos todos os motivos para acreditar, pelo que sabemos dos animais selvagens, que todos cruzariam na primavera. Na maioria dos casos é mais difícil imaginar onde ocorrem as limitações de crescimento, embora geralmente, sem dúvida, seja nas sementes, ovos e filhotes. Entretanto, quando nos lembramos de que, mesmo no ser humano (mais conhecido do que qualquer outro animal), o quão impossível é inferir a duração média da vida ou descobrir as diferentes porcentagens de mortes e nascimentos em diferentes regiões por meio de observações casuais repetidas, não deveríamos ficar surpresos com nossa incapacidade de descobrir onde as limitações de crescimento agem em qualquer animal ou planta. Deveria sempre ser lembrado que na maioria dos casos as limitações são recorrentes anualmente em um grau pequeno e regular, e excepcionalmente em grau extremo durante anos frios, quentes, secos ou chuvosos, de acordo com a constituição do ser em questão. Eliminada qualquer limitação no mínimo grau, os poderes geométricos de aumento de cada organismo quase instantaneamente aumentam o número médio das espécies favorecidas. A natureza pode ser comparada a uma superfície na qual descansam dez mil cunhas afiadas tocando-se umas às outras e impulsionadas para dentro por golpes incessantes. Muita reflexão é necessária para compreender completamente essas ideias. [O trabalho de] Malthus sobre o homem deveria ser estudado; e em todos os casos como o dos ratos de La Plata, o gado e cavalos ao serem introduzidos na América do Sul, seus cálculos sobre os pássaros etc. devem ser bem considerados. Reflita sobre o enorme poder multiplicador inerente e anualmente em ação em todos os animais ou sobre as incontáveis sementes espalhadas sobre toda a superfície da terra por [meio de] uma centena de mecanismos engenhosos, ano após ano, e ainda assim temos todas as razões para supor que a porcentagem média de cada habitante de uma região geralmente mantém-se constante. Finalmente, deve ser levado em conta que este número médio de indivíduos (as condições externas permanecendo as mesmas) em cada região é mantido por recorrentes lutas contra outras espécies ou contra a natureza externa (como nas fronteiras da região do Ártico, onde o frio limita a vida) e ordinariamente cada indivíduo de cada uma das espécies mantém o seu lugar, seja pela sua própria luta e capacidade de adquirir alimento em algum período de sua vida, desde o ovo, ou pela luta de seus pais (em organismos de vida curta, quando a principal limitação ocorre em um intervalo mais longo) com outros indivíduos de da mesma espécie ou  de espécies diferentes.

Mas se as condições externas de uma região forem alteradas, mesmo em um pequeno grau, as proporções relativas dos habitantes simplesmente serão, na maioria dos casos, levemente alteradas.  Entretanto, no caso  do número de habitantes ser [49] pequeno, como em uma ilha e o livre acesso a outras regiões for circunscrito e a mudança de condições continuar ocorrendo (formando novas estações), nesse caso os habitantes originais devem deixar  de estar tão perfeitamente adaptados às mudanças de condições como estavam originalmente. Foi mostrado anteriormente neste trabalho, que tais mudanças nas condições externas, devido à sua ação no sistema reprodutivo, provavelmente fariam com que a organização desses seres que tivesse sido mais afetada se tornasse, sob domesticação, plástica. Pode-se duvidar que na luta de cada indivíduo pela sua subsistência, toda a variação diminuta na estrutura, hábitos, instintos, que o adaptam melhor às novas condições não afetaria seu vigor e saúde? Na luta ele teria uma melhor chance de sobrevivência e os descendentes que herdassem a variação, mesmo ela sendo leve, teriam também melhores chances. A cada ano nascem mais do que podem sobreviver. O menor grão na balança, a longo prazo, decidirá quais morrerão e quais sobreviverão. Deixando este trabalho de seleção por um lado e morte por outro continuar durante mil gerações, quem poderá afirmar que ele não produzirá nenhum efeito, quando lembramos das mudanças que, em poucos anos, Bakewell [9] produziu no gado e Western[10] nas ovelhas por meio de um princípio idêntico de seleção?

Vamos agora dar um exemplo imaginário de alterações que estão ocorrendo em uma ilha: imaginemos que a organização de um animal canino que caçava principalmente coelhos, mas, às vezes, também lebres, se tornasse ligeiramente plástica. Imaginemos que essas mesmas mudanças causassem aos poucos uma diminuição de coelhos e o aumento do número de lebres. O resultado seria que a raposa ou cachorro fossem levados a capturar mais lebres. Sua organização, no entanto, sendo levemente plástica, faria com que os indivíduos com as formas mais leves, membros mais longos e melhor visão, mesmo que tais diferenças fossem muito discretas, fossem ligeiramente favorecidos. Eles tenderiam a viver mais e sobreviver durante os períodos do ano em que os alimentos fossem mais escassos. Eles também teriam mais descendentes que tenderiam a herdar essas leves peculiaridades. Os menos ligeiros seriam severamente destruídos. Não tenho nenhuma razão para duvidar que essas causas atuando durante mil gerações produzissem um efeito acentuado e adaptassem a forma da raposa ou cachorro para a captura de lebres ao invés de coelhos assim como os galgos podem ser melhorados por seleção e cuidadosos cruzamentos. O mesmo ocorreria com as plantas em condições similares. Se o número de indivíduos de uma espécie com sementes plumadas pudesse ser aumentado por maiores poderes de disseminação dentro de sua própria área [50] (isto é, se a limitação de crescimento ocorresse principalmente nas sementes), aquelas sementes com apenas um pouco mais de penugem seriam, a longo prazo, as mais disseminadas. Logo, um número maior de sementes assim formadas germinaria e tenderia a produzir plantas que herdassem a penugem ligeiramente mais adaptada [11].

Além deste meio natural de seleção, pelo qual os indivíduos preservados, quer no estado de ovo, larva ou maduro, são os mais adaptados ao local que ocupam na natureza, existe um segundo agente que atua na maioria dos animais unissexuais tendendo a produzir o mesmo efeito, isto é, a luta entre os machos pelas fêmeas. Essas lutas são geralmente decididas pela lei da batalha, mas no caso das aves, aparentemente, pelo encanto de suas canções, pela sua beleza e por seu poder de cortejar, como ocorre com o galo-da-serra-do-pará [12] dançarino. Os machos mais vigorosos e saudáveis, o que implica em uma adaptação perfeita, geralmente obtêm a vitória em suas disputas. Este tipo de seleção, entretanto, é menos rigoroso que o outro; não requer a morte dos menos bem-sucedidos, mas concede a eles menos descendentes. A luta ocorre geralmente na época do ano em que o alimento é abundante e talvez o principal efeito produzido seja a modificação dos caracteres sexuais secundários, não relacionados à habilidade de obter comida ou à a defesa contra os inimigos, mas para lutar ou rivalizar com outros machos. O resultado dessa luta entre os machos pode ser comparado em alguns pontos com aquele resultante do trabalho de alguns criadores de animais que prestam menos atenção na seleção cuidadosa de seus animais jovens e mais atenção ao uso ocasional de um parceiro escolhido.

 

II. Extrato de uma carta de C. Darwin, Esq., ao Prof. Asa Gray, Boston (EUA), enviada de Down em 5 de setembro de 1857.

  1. É maravilhoso o que o princípio de seleção pelo homem, isto é, a escolha dos indivíduos com qualquer qualidade desejada seguida de seu cruzamento e uma nova seleção, é capaz de fazer. Mesmo os criadores se surpreendem com seus próprios resultados. Ela pode agir sobre diferenças invisíveis ao olho destreinado. A seleção tem sido feita metodicamente na Europa apenas na última metade do século, mas foi feita ocasionalmente, e até certo ponto metodicamente em tempos muito antigos. Deve ter havido também algum tipo de seleção inconsciente em períodos remotos, por exemplo na [51] preservação de animais individualmente (sem consideração alguma pela sua prole), que fossem mais úteis para cada raça humana em circunstâncias particulares. Aqueles que removem as plantas indesejáveis ou doentes como enfermeiros, provocam a destruição das variedades que se afastam do tipo original [13], o que constitui uma forma de seleção. Estou convencido de que a seleção intencional e ocasional tem sido o principal agente na produção de nossas raças domésticas; mas qualquer que seja, este grande poder, ele foi indisputavelmente mostrado nos últimos tempos. A seleção age somente por meio do acúmulo de variações leves ou maiores, causada pelas condições externas ou pelo mero fato que os descendentes não são absolutamente iguais ao seus pais. O homem, pelo seu poder de acumular variações, adapta os seres vivos aos seus desejos, podendo-se até dizer que ele faz a lã de uma ovelha ser boa para tapetes, de outra para tecidos etc.
  2. Agora suponha que houvesse um ser que não julgasse por meras aparências externas, mas que fosse capaz de estudar toda a organização interna, que jamais fosse caprichoso e devesse continuar selecionando em direção a um único objeto por milhões de gerações, quem diria que ele não teria sucesso? Temos na natureza uma leve variação ocasionalmente em todas as partes e penso que pode ser mostrado que mudanças nas condições de existência são as principais causas para o filho não se parecer exatamente com os pais. Ainda na natureza, a geologia nos mostra que as mudanças ocorreram e continuam ocorrendo. Temos praticamente um tempo ilimitado. Ninguém exceto um geólogo atuante consegue entender isso completamente. Pense no período glacial, durante o qual as mesmas espécies, pelo menos de conchas [14] existiram. Nesse período devem ter se sucedido milhões e milhões de gerações.
  1. Eu penso que é possível mostrar que existe tal poder infalível na ação da Seleção Natural (o título do meu livro) [15], que seleciona exclusivamente para o bem de cada ser orgânico. De Candolle pai, W. Herbert [16] e Lyell escreveram brilhantemente sobre a luta pela vida, mas até mesmo eles não foram suficientemente enfáticos. Ao refletir que todos os seres (inclusive o elefante) se reproduzem em tal taxa que em poucos anos, ou no máximo em poucos séculos, a superfície da terra não suportaria a progênie de um único casal, percebi que é difícil ter em mente que o aumento de cada uma das espécies não seja limitado em algum ponto da vida ou durante alguma geração pouco recorrente. Apenas alguns daqueles nascidos a cada ano podem viver e propagar seu tipo. Quão triviais são as diferenças que determinam quem sobreviverá e quem perecerá!
  2. Agora vejamos o caso de uma região passando por alguma mudança. Isso tenderá a fazer com que alguns de seus habitantes variem levemente, [52] não que eu acredite que a maioria dos seres variem o tempo todo o suficiente para que a seleção possa atuar sobre eles. Alguns de seus habitantes serão exterminados e o restante será exposto a ação mútua de um conjunto diferente de habitantes o que acredito ser muito mais importante para a vida de cada ser do que meramente o clima. Considerando os métodos infinitamente variados que os seres vivos utilizam para obter comida em uma luta com outros organismos, para escapar do perigo em vários momentos da vida, para disseminar seus ovos ou sementes, etc., não posso duvidar que durante milhões de gerações os indivíduos de uma espécie nascerão ocasionalmente com pequenas variações, úteis para alguma parte de sua economia.[17] Tais indivíduos terão uma chance melhor de sobreviver e propagar sua estrutura nova e levemente diferente. A modificação, ainda, poderá ser lentamente aumentada pela ação cumulativa da seleção natural de qualquer forma vantajosa. A variedade assim formada coexistirá ou, mais comumente, exterminará sua forma parental. Um ser orgânico, como o pica-pau ou o visgo, poderá se adaptar a dezenas de contingências — a seleção natural acumulando essas pequenas variações em todas as partes de sua estrutura que sejam de alguma maneira úteis em algum momento de sua vida.
  3. Várias dificuldades relacionadas a essa teoria ocorrerão a qualquer um. Muitas podem, penso, ser respondidas satisfatoriamente. Natura non facit saltum responde às mais óbvias. A lentidão das mudanças e o número baixíssimo de indivíduos passando por mudanças a qualquer momento responde a outras. A extrema imperfeição de nosso registro geológico responde a outras.
  4. Outro princípio, que pode ser chamado de princípio de divergência, tem um papel importante na origem das espécies. O mesmo local suportará mais vida se for ocupado por formas muito diversas. Vemos isso em muitas formas genéricas em uma légua quadrada de turfa e em plantas ou insetos de qualquer ilhota uniforme que pertencem, quase invariavelmente, a tantos gêneros e famílias quanto espécies. Podemos entender o significado desse fato entre os animais superiores cujos hábitos conhecemos. Sabemos que foi mostrado experimentalmente que um lote de terra dará uma safra maior se for semeado com várias espécies e gêneros de gramíneas do que se for semeado com apenas duas ou três espécies. Agora, cada ser orgânico propagando-se tão rapidamente, pode-se dizer que está se esforçando ao máximo para aumentar seu número. Assim será com a prole de qualquer espécie depois de se diversificar em variedades, ou subespécies, ou espécies verdadeiras. Segue-se, penso, a partir desses fatos que a variada prole de cada espécie tentará [53] conquistar o maior e mais variado leque de lugares na economia da natureza quanto possível (poucos serão bem sucedidos). Cada nova variedade ou espécie, quando formada, geralmente tomará o lugar, e logo exterminará, seu progenitor menos adaptado. Acredito que essa seja a origem da classificação e das afinidades dos seres vivos em todos os tempos, já que os seres orgânicos parecem sempre se ramificar e sub-ramificar como os galhos de uma árvore a partir de um tronco comum, os ramos que florescem e divergem  destruindo os menos vigorosos — os ramos mortos e perdidos representando grosseiramente os gêneros e famílias extintos.

Este esboço é deveras imperfeito, mas não consigo fazer melhor com tão pouco espaço. Sua imaginação deve preencher as grandes lacunas.

C. Darwin.

III. Sobre a tendência das variedades de afastarem-se indefinidamente do tipo original. Por Alfred Russel Wallace.[18]

Um dos argumentos mais fortes apresentado para provar a origem e distinção original e permanente das espécies é que as variedades produzidas em um estado de domesticação são mais ou menos instáveis e frequentemente tendem, por si sós, a retornar à forma normal da espécie progenitora. Considera-se que essa instabilidade é uma peculiaridade de todas as variedades, mesmo aquelas que ocorrem entre os animais selvagens em estado natural, e constitui uma provisão para preservar sem modificação as espécies distintas criadas originalmente.

Na ausência ou na escassez de fatos e observações sobre a ocorrência de variedades entre os animais selvagens, este argumento teve grande peso para os naturalistas e levou de um modo geral a uma crença muito difundida e de certo modo preconceituosa na estabilidade das espécies. De modo análogo, no entanto, está a crença nas chamadas “variedades permanentes ou verdadeiras”, — raças de animais que continuamente se propagam de modo semelhante, mas com diferenças tão leves (embora constantes), em relação a outra raça que uma é considerada como variedade da outra. Geralmente não há meios para determinar qual é a variedade e qual é a espécie original, exceto naqueles casos raros no qual é sabido que uma raça produz um descendente distinto de si, mas, mas semelhante à outra. Entretanto, isso seria notadamente incompatível com a “invariabilidade permanente das espécies”, mas a dificuldade é superada se assumirmos que tais variedades têm limites estritos e são incapazes de variar além do tipo original, embora possam retornar a ele. Por [54] analogia aos animais domesticados considera-se isto altamente provável, se não certamente provado.

Será observado que este argumento permanece inteiramente na suposição de que as variedades em estado natural são sob todos os aspectos análogas ou até idênticas àquelas que ocorrem nos animais domésticos e são governadas pelas mesmas leis quanto à sua permanência ou variação. Mas o objetivo desta comunicação é mostrar que essa suposição é completamente falsa, que existe na natureza um princípio geral que fará com que muitas variedades sobrevivam às espécies parentais por sucessivas variações afastando-se cada vez mais do tipo original, e que também  produz nos animais domesticados  a tendência das variedades a retornar à sua forma parental.

A vida dos animais selvagens é uma luta pela existência. O exercício completo de todas as suas faculdades e energia é necessário para preservar sua própria existência e prover aquela de sua cria. A possibilidade de procurar por comida durante as estações menos favoráveis e escapar dos ataques de seus inimigos mais perigosos são as condições primárias que determinam a existência tanto dos indivíduos e espécies inteiras como da espécie como um todo. Essas condições também determinam a população de uma espécie. Pela consideração cuidadosa de todas as circunstâncias podemos talvez compreender e explicar até certo ponto o que parece tão inexplicável à primeira vista – a abundância excessiva de algumas espécies enquanto outras muito próximas a elas são muito raras.

A proporção geral que deve ser obtida entre certos grupos de animais é facilmente vista. Animais grandes não podem ser tão abundantes quanto os pequenos. Os carnívoros devem ser menos numerosos que os herbívoros. Águias e leões nunca poderão ser tão abundantes quanto pombos e antílopes. Os jumentos selvagens dos desertos do Tártaro não podem ser iguais numericamente aos cavalos das pradarias mais luxuriantes e pampas da América.

Animais grandes não podem ser tão abundantes quanto os pequenos. Os carnívoros devem ser menos numerosos do que os herbívoros. Águias e leões não podem ser tão abundantes como os pombos e antílopes. Os jumentos selvagens dos desertos do Tártaro não podem ser iguais ao número de cavalos das mais luxuriantes pradarias e pampas da América.

A maior ou menor fecundidade de um animal é frequentemente considerada como uma das principais causas de sua abundância ou escassez, mas uma melhor consideração dos fatos nos mostrará que isso tem pouca ou nenhuma relação com o assunto. Até mesmo o menos prolífico dos animais aumentaria rapidamente se não fosse limitado, enquanto é evidente que a população global deve ser estacionária, ou talvez sob a ação do homem em queda. Pode haver flutuações, mas um crescimento permanente é quase impossível, exceto em localidades restritas. Por exemplo, nossas próprias observações devem nos convencer de que as aves não aumentam todo ano em progressão geométrica, como deveria [ocorrer] se não houvesse [55] alguma limitação poderosa ao seu crescimento natural.  Pouquíssimas aves produzem menos de dois filhotes por ano, enquanto muitas têm seis, oito ou dez; quatro certamente seria estaria abaixo da média, supondo que eles não morressem por violência ou desnutrição. Mesmo nesta proporção como seria enorme o aumento a partir de um único casal em poucos anos! Um simples cálculo mostrará que em quinze anos cada casal de aves teria se multiplicado até quase dez milhões! E não temos nenhum motivo para acreditar que o número de aves de qualquer região não aumente em quinze ou cento e cinquenta anos. Com tais poderes de crescimento em poucos anos após a origem de cada espécie, a população deve atingir seu limite e estacionar. É evidente, portanto, que a cada ano um número imenso de aves deve perecer, como acontece com muitas quando nascem. E como a cada ano a progênie dobra em relação àquela de seus pais, seguindo a taxa mais baixa possível, segue que independentemente do número médio de indivíduos em determinada região, duas vezes aquele número deve perecer anualmente. Um resultado surpreendente, mas que parece pelo menos altamente provável e talvez subestimado ao invés de superestimado em relação a verdade. Poderia parecer que levando em conta a continuidade da espécie e a manutenção do número médio dos indivíduos, grandes ninhadas são supérfluas.

Em média, um dentre todos, serve como alimento para falcões e milhafres [19], gatos selvagens e doninhas, ou morre devido ao frio e a fome conforme chega o inverno. Isso é incontestavelmente provado no caso de espécies particulares, pois sabemos que sua abundância em número de indivíduos não tem relação alguma com sua fertilidade em produção de prole. Talvez o caso mais impressionante notável seja a imensa população de aves do pombo-passageiro [20] nos Estados Unidos que bota apenas um ou no máximo dois ovos e acredita-se crie apenas um filhote. Por que esta ave é tão extraordinariamente abundante enquanto outras que produzem dois ou três vezes mais filhotes são menos existem em menor número? A explicação não é difícil. A comida mais comum dessa espécie, e que possibilita seu melhor crescimento, está distribuída abundantemente ao longo de uma região muito extensa que oferece tantas diferenças de solo e clima que em uma parte ou outra o suprimento nunca acaba. A ave é capaz de um voo muito rápido e longo de modo que pode percorrer toda a área que habita sem fadiga e logo que o suprimento de comida em um local começa a se esgotar ela já descobre um novo lugar para alimentar-se. Este exemplo surpreendente  nos mostra que a procura de um suprimento constante de [56] alimento nutritivo é quase a única exigência para assegurar o rápido crescimento de uma determinada espécie, uma vez que nem a fecundidade limitada, tampouco a eliminação dos ataques das aves de rapina e dos homens são suficientes para limitar o aumento populacional. Em nenhuma outra ave essas circunstâncias peculiares estão tão representativamente combinadas. Ou seu alimento é mais suscetível ao esgotamento ou não possuem poder de voo suficiente para procurar pelo alimento em uma área extensa ou durante uma estação do ano na qual ele se torne escasso e substitutos menos nutritivos devam ser encontrados. Assim, embora mais férteis na primavera, eles nunca podem aumentar [o número de seus descendentes] além do suprimento de alimento disponível nas estações menos favoráveis.

Muitas aves só sobrevivem quando seu alimento se torna escasso devido à migração para regiões com um clima mais ameno ou ao menos diferente. Embora, sendo essas aves migratórias raramente excessivamente abundantes, é evidente que as regiões que elas visitam ainda são deficientes no suprimento constante e abundante de alimento nutritivo. Aquelas cuja organização não permite a migração quando seu alimento se torna periodicamente escasso, nunca chegam a [constituir] uma população grande. Essa é provavelmente a razão pela qual os pica-paus são escassos aqui, mas estão entre as aves solitárias mais abundantes dos trópicos. Assim, o pardal-doméstico21 é mais abundante que o pisco-de-peito-ruivo [22] porque seu alimento é constante e abundante, uma vez que as sementes das gramíneas são preservadas durante o inverno e nossas fazendas e campos pós-colheita fornecem um suprimento quase inesgotável de comida.

Por que, como regra geral, as aves aquáticas e especialmente as marinhas geralmente apresentam um número mais elevado de indivíduos? Não por serem mais prolíficas que outras, geralmente é o contrário, mas porque seu suprimento de comida nunca falta nos litorais e margens de rios que são diariamente abastecidos com pequenos moluscos e crustáceos frescos. Exatamente as mesmas leis se aplicam aos mamíferos. Gatos selvagens são prolíficos e têm poucos inimigos. Por que então eles nunca são tão numerosos quanto os coelhos? A única resposta inteligível é que seu suprimento de alimento é mais precário. Parece evidente, portanto, que enquanto a região permanecer fisicamente inalterada, os números de sua população animal não podem aumentar materialmente. Se uma espécie assim o faz, algumas outras que dependam do mesmo tipo de alimento devem diminuir proporcionalmente. O número de mortes a cada ano deve ser imenso. Como a existência de cada animal individualmente  e conforme a existência individual de cada animal depende de si mesmo, aqueles que morrem devem ser os mais fracos – os muito jovens, idosos e doentes – enquanto aqueles que têm sua existência prolongada podem ser apenas os mais perfeitamente saudáveis e vigorosos, os mais capazes em obter comida regularmente e evitar seus numerosos inimigos. É, como dito em nossa afirmação inicial, “uma luta pela existência”, na [57] qual os mais fracos e de organização menos perfeitamente organizados devem sempre sucumbir.

Agora está claro que o que acontece entre os indivíduos de uma espécie deve também ocorrer entre várias espécies  próximas de um grupo, isto é, aquelas que são mais adaptadas a obter um suprimento regular de alimento, se defender dos ataques de seus inimigos e das vicissitudes das estações devem necessariamente obter e preservar a superioridade em populações, enquanto aquelas espécies menos capazes de contrabalancear as vicissitudes do suprimento de alimento, etc. devido a alguma carência de força ou organização devem diminuir em número e, em casos extremos, serem completamente extintas. Entre tais extremos, as espécies apresentarão graus variados de capacidade para garantir os meios de preservação da vida e é assim que explicamos a abundância ou raridade das espécies. Nossa ignorância geralmente nos privará de determinar com exatidão os efeitos de  suas causas, mas poderíamos nos tornar perfeitamente familiarizados com a organização e hábitos de várias espécies de animais e poderíamos medir a capacidade de cada um  para realizar as diferentes atividades necessárias para sua segurança e existência nas variadas circunstâncias a que estão submetidas. Poderíamos até mesmo conseguir calcular proporcionalmente a abundância de indivíduos resultantes.

Se formos bem sucedidos em estabelecer esses dois pontos: 1°) que a população animal de uma região é geralmente estacionária, sendo reduzida periodicamente por uma deficiência de comida e outras limitações; e 2°) que a abundância ou escassez relativa de indivíduos de várias espécies é inteiramente devida a sua organização e aos hábitos resultantes, que tornam mais difícil a tarefa de procurar um suprimento estável de alimento e prover sua própria segurança, e só pode ser equilibrada  por uma diferença na população que deve existir em uma determinada área; estaremos em condição para considerar as variedades, às quais as observações precedentes tem aplicação direta e muito importante.

A maioria ou talvez todas a variações da forma típica de uma espécie devem ter algum efeito definido, mesmo sutil, nos hábitos e capacidades dos indivíduos. Até mesmo uma mudança de cor pode, pode torná-los mais ou menos distinguíveis, afetar sua segurança. Um maior ou menor desenvolvimento da pelagem pode modificar seus hábitos. Mudanças mais importantes, como o aumento de força ou das dimensões dos membros ou qualquer outro órgão externo, afetaria em maior ou menor grau seu modo de procurar por alimento na extensão da [58] região que habitam. Também é evidente que a maioria das mudanças afetaria, favoravelmente ou não, seus poderes de prolongar a existência. Um antílope com pernas mais curtas ou fracas deve necessariamente sofrer mais ataques dos felinos carnívoros; o pombo-passageiro com asas mais fracas seria cedo ou tarde afetado em seus poderes de procurar por suprimentos regulares de alimento. Em ambos os casos o resultado deve ser necessariamente a diminuição da população das espécies modificadas. Se, por outro lado, qualquer espécie produzir uma variedade ligeiramente mais capaz de preservar sua existência, essa variedade deve inevitavelmente adquirir uma superioridade em número de acordo com o tempo. Esses resultados devem certamente ocorrer quando a velhice, intemperança ou a escassez de alimento levarem a um aumento de mortalidade. Em ambos os casos pode haver exceções pontuais, mas a regra se mostrará verdadeira na média. Todas as variedades se encaixarão, portanto, em duas classes: aquelas que nas mesmas condições nunca atingiriam a população da espécie parental; e aquelas que no devido tempo obteriam e manteriam a superioridade numérica. Agora, se alguma alteração das condições físicas acontecer na região — um longo período de seca, destruição da vegetação por gafanhotos, a chegada de um novo animal carnívoro a procura de “novas pastagens”) — qualquer mudança capaz tornar a existência da espécie em questão mais difícil e de colocar a prova todos os seus poderes para evitar o extermínio completo, é evidente que, de todos os indivíduos que compõem a espécie aqueles que constituíssem a variedade menos numerosa e de organização mais fraca sofreriam primeiro e, em caso de uma pressão severa, seriam logo extintos. As mesmas causas continuando a agir, a espécie parental sofreria em seguida, diminuiria gradualmente em número e, em caso de recorrência de condições desfavoráveis similares, poderia também ser extinta. A variedade superior permaneceria sozinha então e, quando as circunstâncias favoráveis retornassem, iria crescer rapidamente em número e ocuparia o lugar da espécie e variedade extintas.

A variedade agora substituiria a espécie e seria uma forma mais perfeitamente desenvolvida e mais altamente organizada. Seria, em todos os aspectos, mais adaptada para garantir sua segurança, prolongar sua existência e de sua raça. Tal variedade não poderia retornar à forma original, pois esta seria inferior e incapaz de competir por sua existência. Contudo, levando em consideração, uma “tendência” para a reprodução do tipo original da espécie, ainda a variedade se manteria manter-se-ia sempre preponderante em número e sob condições físicas adversas, novamente sobreviveria sozinha. [59] Mas. essa nova raça, melhorada e populosa, por sua vez, poderia no decorrer do tempo, originar novas variedades que exibissem várias modificações divergentes da forma, tendendo a aumentar as facilidades para a preservação de sua existência, devendo pela mesma lei tornarem-se predominantes. Temos então aqui, progressão e divergência continuada deduzida de leis gerais que regulam a existência dos animais no estado natural e do inquestionável fato da ocorrência frequente das variedades. Contudo, não se alega que esse resultado seja invariável. Uma mudança nas condições físicas da região deve às vezes a modificá-la materialmente fazendo com que a raça que se tornou mais capaz de sobreviver nas condições prévias seja agora a mais desfavorecida e até mesmo causando a extinção da nova e superior raça até então enquanto  a espécie parental ou antiga e suas primeiras variedades inferiores continuam a florescer. Variações em partes que não são importantes deveriam também ocorrer, não tendo efeito perceptível sobre os poderes de preservação da vida. As variedades assim constituídas deveriam seguir paralelamente com a seus progenitores, tanto dando origem originando a novas variações como retornando ao tipo original. Tudo que queremos defender é que determinadas variedades têm a tendência de preservar sua existência por mais tempo que a espécie original e essa tendência pode ser percebida, uma vez que não se pode confiar na doutrina das probabilidades ou médias em uma escala limitada. Se for aplicada a números altos, os resultados se aproximam das exigências da teoria, e conforme nos aproximamos de uma infinidade de exemplos, ela se torna cada vez mais precisa. Agora, a escala com a qual a natureza trabalha é tão vasta – o número de indivíduos e os períodos de tempo com os quais ela lida estão muito próximos do infinito que qualquer causa, mesmo sutil, passível de ser revelada, e reduzida pelas circunstâncias acidentais deve produzir no fim  resultados totalmente legítimos.

Vamos agora voltar aos animais domesticados e investigar como as variedades que eles produzem são afetadas pelos princípios enunciados aqui. A diferença essencial entre a condição selvagem ou doméstica dos animais é a seguinte: entre os primeiros, seu bem-estar e própria existência dependem do exercício completo e condição saudável de todos os seus sentidos e poderes físicos [23],  enquanto entre os últimos, estes são apenas parcialmente exercidos e em alguns casos não utilizados. Um animal selvagem tem que procurar, e quase sempre se esforçar, por cada porção de alimento exercitando a vista, audição e olfato para encontrá-lo, escapando dos perigos ao procurar abrigo contra a inclemência das estações e prover a subsistência e segurança de sua cria. Não há um único músculo em [60] seu corpo que não seja ativado diariamente ou de hora em hora, não há nenhum sentido ou faculdade que não seja fortalecida pelo exercício contínuo. O animal doméstico, por outro lado, é alimentado, abrigado e às vezes confinado para proteção dos ataques de seus inimigos naturais e quase nunca cria sua prole sem assistência humana. Metade de seus sentidos e faculdades não é utilizada e a outra metade é exceto ocasionalmente submetida a leve exercício, enquanto seu sistema muscular é somente chamado a agir irregularmente.

Quando uma variedade de tal animal ocorre, tendo aumentado o poder ou capacidade de algum órgão ou sentido, esse acréscimo é totalmente inútil já que nunca é posto em ação e pode existir sem que o animal jamais tome conhecimento dele. Nos animais selvagens, pelo contrário, todas as suas faculdades e poderes são acionados imediatamente para suprir as necessidades da existência. Qualquer melhora se torna imediatamente disponível, é fortalecida pelo exercício e deve modificar levemente a alimentação, hábitos e toda a economia da raça. Cria algo como um novo animal, com poderes superiores e que necessariamente aumentará em número e viverá mais que os inferiores a ele.

Novamente, nos animais domesticados, todas as variações têm a mesma chance de continuidade. Tais variações que não apresentam uma desvantagem no estado de domesticação, decididamente tornariam um animal selvagem incapaz de competir com seus semelhantes e continuar a existir. Nossos porcos de engorda rápida, ovelhas de pernas curtas, pombos-papo-de-vento e cães poodle nunca poderiam ter surgido na natureza, pois o passo inicial em direção a formas tão inferiores teria levado à rápida extinção da raça. Menos ainda elas seriam capazes de competir com suas formas próximas selvagens. A grande velocidade, mas baixa resistência, do cavalo de corrida e a força incomparável dos cavalos de arado seriam inúteis no estado natural. Se voltassem ao seu estado selvagem nos pampas, esses animais provavelmente seriam logo extintos ou, em circunstâncias favoráveis, deveriam perder tais qualidades extremas que nunca seriam  acionadas e em poucas gerações reverteriam ao tipo comum, que deve ser aquele no qual os vários poderes e   faculdades  são proporcionais para a melhor adaptação para procurar alimento e garantir segurança, —  na qual o animal, por meio do exercício completo de cada parte de sua organização, pode continuar vivendo sozinho. Variedades domésticas quando se tornam selvagens devem retornar a algo parecido com o tipo da linhagem selvagem original ou se extinguirem completamente.

[61] Vemos, então, que nenhuma inferência a respeito das variedades em estado natural pode ser deduzida a partir da observação daquelas que ocorrem entre os animais domésticos. Os dois são tão fortemente opostos em todas as circunstâncias de sua existência que o que é aplicável a um, é quase certo não se aplicar ao outro. Animais domésticos são anormais, irregulares e artificiais.  Estão sujeitos a variedades que nunca ocorrem e nunca poderiam ocorrer naturalmente. Sua existência depende exclusivamente dos cuidados humanos na medida que são privados daquela proporção justa das faculdades, aquele verdadeiro equilíbrio de organização, por meio do qual unicamente um animal deixado para viver com seus próprios recursos pode preservar sua existência e dar continuidade à sua raça.

A hipótese de Lamarck — que mudanças progressivas nas espécies são produzidas pelas tentativas dos animais em aumentar o desenvolvimento de seus próprios órgãos e assim modificar sua estrutura e hábitos – tem sido  repetidamente e facilmente refutada por todos os autores que trabalham com o assunto de variedades e espécies e parece que feito isso toda a questão foi finalmente resolvida.[24] Mas a visão desenvolvida aqui torna tal hipótese desnecessária ao mostrar que resultados semelhantes podem ser produzidos pela ação de princípios que agem constantemente na  natureza. As poderosas garras retráteis do falcão e dos felinos não foram produzidas ou aumentadas pela volição desses animais, mas entre as variedades que ocorreram anteriormente e as formas menos organizadas desses grupos. Aquelas que sempre sobreviveram por mais tempo tiveram maior facilidade em capturar suas presas. Nem a girafa adquiriu seu longo pescoço desejando alcançar as folhas dos arbustos mais frondosos, constantemente esticando-o, mas porque  toda as variedade que ocorresse entre seus antítipos com um pescoço mais longo que o usual  inicialmente garantiu uma nova área de pastagem fresca  no mesmo terreno que a de seus companheiros de pescoço curto e sua sobrevivência  aos primeiros sinais de escassez de alimento. Mesmo as cores peculiares de animais, especialmente dos insetos, muito semelhantes às do solo, folhas ou troncos nas quais eles vivem habitualmente são explicadas pelo mesmo princípio.  Ao longo das eras, variedades com muitos tons devem ter ocorrido, ainda assim, aquelas raças com cores mais adaptadas para escondê-las dos inimigos inevitavelmente sobreviveriam por mais tempo. Também temos aqui uma causa atuante para explicar o equilíbrio tão frequentemente observado na natureza, — uma deficiência em um grupo de órgãos sempre sendo compensada pelo aumento do desenvolvimento de alguns outros, asas fortes acompanham pés fracos [62] ou a grande velocidade é compensada pela ausência de armas defensivas, pois foi mostrado que todas as variedades nas quais uma deficiência [que afetou] o equilíbrio ocorreu não foram continuaram existindo. A ação desse princípio é exatamente semelhante ao governador centrífugo de um motor a vapor, que checa e corrige quaisquer irregularidades antes que se tornem evidentes. De maneira semelhante, nenhuma deficiência de equilíbrio nunca pode atingir uma magnitude notável, porque seria sentida logo no início, tornando a existência difícil seguida de extinção quase certa.  Uma origem como a aqui advogada também concordará  com o caráter  peculiar das modificações de forma e estrutura presentes nos seres organizados —  as muitas linhas de divergência a partir de um tipo central;  o aumento de eficiência e poder de um órgão particular através de uma sucessão de espécies próximas; e a persistência notável de partes pouco importantes como cor, textura da plumagem e pelagem, forma dos chifres ou cristas através de uma série de espécies diferindo consideravelmente em  caracteres mais essenciais. Também fornece uma razão para que a “estrutura mais especializada” que o Professor Owen [25] afirma ser uma característica de formas recentes em comparação com formas extintas, seria evidentemente o resultado de uma modificação progressiva de qualquer órgão com uma função especial na economia animal.

Acreditamos que ter agora mostrado que há uma tendência da natureza para a progressão contínua de certas classes de variedades que se afastam cada vez mais  do tipo original – uma progressão para a qual não não parece haver razão para atribuir quaisquer limites definidos, – e que o mesmo princípio que produz esse resultado na natureza também explicará porque as variedades domésticas tem a tendência de retornar ao tipo original. Essa progressão por passos diminutos em várias direções, mas sempre limitada e equilibrada pelas condições necessárias segundo as quais apenas a existência pode ser preservada, acredita-se estar de acordo  com todos os fenômenos apresentados pelos seres organizados,  sua extinção e sucessão nas eras passadas e todas as modificações extraordinárias de forma, instinto e hábitos que eles exibem.

Ternate, fevereiro, 1858.

 

REFERÊNCIAS

BIZZO, Nélio. Nota técnica: a revisão da tradução do Origin… Blog Professor Nélio Bizzo. 2018. Disponível em: http://neliobizzo.pro.br/blog/nota-tecnica-a-revisao-da-traducao-do-origin/. Acesso em: 16/10/2020.

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Notas

  1. Em sua autobiografia, Darwin ao se referir ao manuscrito de Wallace escreveu: “Este ensaio continha exatamente a mesma teoria que a minha” (Darwin, 1887, p. 85). Nota dos tradutores.
  2. Os artigos, excluindo a carta inicial de Lyell e Hooker, foram no mesmo ano reproduzidos no número 16 da revista The Zoologist (pp. 6293-6308). Nota dos tradutores.
  3. As abreviações presentes nas três últimas linhas correspondem a: Esquire (Esq.), título originalmente destinado aos escudeiros dos cavaleiros, depois se tornou um título de cortesia para homens de maior prestígio social; Fellow of the Royal Society (FRS), membro da Royal Society; Fellow of the Linnean Society of London (FLS), membro da Linnean Society of London; Fellow of the Geological Society of London (FGS), membro da Geological Society of London; Medicinae Doctor (MD), doutor em medicina e Vice-presidente da Royal Society (VPRS). Nota dos tradutores.
  4. Esse manuscrito nunca foi destinado à publicação, portanto não foi escrito com cuidado – Charles Darwin, 1858. Nota de Charles Darwin.
  5. Aqui, Lyell e Hooker se referem ao “Notebook E” de 1839 e ao esboço de 1844. Ver Darwin (1839) e Darwin (1844). Nota dos tradutores.
  6. John Joseph Bennet (1801-1875), botânico e funcionário do Banksian Herbarium and Library do British Museum. Nota dos tradutores.
  7. Darwin estava se referindo ao botânico Augustin Pyramus de Candolle (1778-1841). A frase de De Candolle (1820, p. 384) foi citada por Lyell (1832, v. 2, p. 131). Nota dos tradutores.
  8. Thomas Robert Malthus (1766-1834), clérigo e economista. Em sua obra An essay on the principle of population publicada inicialmente em 1798 que teve várias edições, Malthus mencionou que o crescimento populacional é geométrico em oposição ao crescimento aritmético dos recursos (Malthus, 1826). Darwin teve a oportunidade de ler esta obra em 1838 (Darwin,1887, p. 120). Nota dos tradutores.
  9. Robert Bakewell (1725-1795), fazendeiro e pecuarista em Dishley, Leicestershire. Nota dos tradutores.
  10. Charles Callis Western (1767-1844), político, agricultor e criador de ovelhas. Nota dos tradutores.
  11. Não consigo ver mais dificuldade nisso do que em um fazendeiro melhorando suas variedades de algodão. Nota de Charles Darwin.
  12. No original, Darwin utilizou de maneira equivocada o termo rock-thrush of Guiana, ao se referir Guianan cock-of-the-rock (Rupicola rupicola) (Bizzo, 2018).
  13. Darwin utilizou a termo “roguing”. O verbo “to rogue” é relacionado ao ato de remover plantas indesejáveis, doentes ou o que mais tarde, no século XX, se chamou de variantes genéticas de uma população (“rogues”) (Lincoln & Boxshall, 1990, p. 332). Nota dos tradutores.
  14. Darwin utilizou o termo shells muito provavelmente para se referir aos moluscos produtores de conchas. Nota dos tradutores.
  15. Darwin estava se referindo ao livro que estava escrevendo quando recebeu a carta de Wallace. O manuscrito foi postumamente editado e publicado por Stauffer (Darwin, [1856-1858], 1975). Nota dos tradutores.
  16. William Herbert (1778-1847), decano de Manchester e conhecido por seus trabalhos sobre hibridização de plantas. Nota dos tradutores.
  17. A expressão “economia da natureza” (écomomie de la nature) foi utilizada por Carl von Linné no século XVIII para designar uma relação de equilíbrio entre os elementos da natureza incluindo os seres vivos e o meio em que se encontram. Nota dos tradutores.
  18. A cópia pessoal e anotada de Wallace está disponível nesse endereço: <http://wallaceletters.info/sites/wallaceletters.info/files/1858_PAPER.pdf>. Nota dos tradutores.
  19. Milhafres, milhanos ou bilhanos são nomes comuns dados à algumas aves da família Accipitridae. O nome popular em inglês é “kite”. Nota dos tradutores.
  20. Ectopistes migratorius. Esse é um exemplo curioso hoje em dia, uma vez que a espécie, que de fato era bastante difundida e populosa, foi extinta ainda no início do século XX devido a caça e destruição de habitat. Nota dos tradutores.
  21. Passer domesticus. Nota dos tradutores.
  22. Erithacus rebecula. Nota dos tradutores.
  23. A expressão utilizada por Wallace foi “physical powers”. Provavelmente o adjetivo physical foi empregado em relação à physis (natureza). Nota dos tradutores.
  24. Neste longo parágrafo, Wallace apresentou uma interpretação equivocada da proposta original de Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829). Ao utilizar o verbo “desejar” (“desiring”) e outras observações contribuiu para a ideia de que os animais como a girafa, desejando poderiam modificar partes de seu corpo. Em sua obra original Lamarck utilizava de um modo geral, o termo “necessidade” (“besoin”) e não o termo “desir” (“desejo”). No caso da girafa, seria uma necessidade fisiológica: alimentar-se (Lamarck, 1809, vol. 1, pp. 256-257; Martins, 2007, pp. 212-213). Nota dos tradutores.

25. Richard Owen (1804-1892), naturalista que se destacou por suas pesquisas em anatomia comparada e paleontologia. Embora aceitasse evolução, fez críticas à teoria de Darwin, particularmente no que se refere ao papel da seleção natural no processo evolutivo. Nota dos tradutores.

Citação bibliográfica deste artigo:

CARMO, Viviane Arruda do; NAVARRO, Pedro de Lima; MARTINS, Lilian Al-Chueyr Pereira. A concepção de seleção natural sob a perspectiva de Darwin e Wallace em 1858. Boletim de História e Filosofia da Biologia, vol. 14, número 2 (junho de 2020). Versão online disponível em: http://www.abfhib.org. Acesso em: dd/mm/aaaa. [colocar a data de acesso à versão online.